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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mas, Medeiros...

Estou no restaurante com o Medeiros e percebo que ele não tira os olhos da mesa ao lado, ocupada por um casal de, digamos, gordinhos. A uma certa altura, ele não se contém:
- Deus que me perdoe, mas gente gorda é dose. Fico me perguntando se o ser humano foi concebido, estabeleceu-se e evoluiu, para ser disforme assim. Juro que não quero reparar, mas quem pode ficar impassível vendo esses baleias comendo? Não é um ato pacífico. Não pode ser. Veja como a refeição é atacada a golpes de faca e garfo, como se ela ameaçasse evaporar ou fugir. O mundo sendo assolado por fome e esses dois aí, querendo tudo só pra eles. Comem, comem, comem. Tem gente que levaria dias pra dar cabo de tanta comida. Coisa mais egoísta! O garçom tentou passar atrás deles e não conseguiu, você viu? Teve que dar a volta pela outra mesa. Essa gente ocupa espaço dos outros o tempo todo, seja na calçada, no elevador, no corredor do supermercado, na fila do banco e até aqui no restaurante. Você já se sentou ao lado de um, na classe econômica de um avião, ou num banco de ônibus? Já compartilhou o assento traseiro de um carro durante uma viagem de quatro horas? I-nes-que-cí-vel, meu caro!
- Mas, Medeiros...
- Não tem mas, nem meio-mas. E aquele barulhinho infernal, de roçar as coxas quando anda? - Risg-rusg, risg-rusg - De matar! Aliás, dane-se quem tiver que carregar o caixão dum defunto gordo feito um desses aí. Outra coisa: todo mundo tem problemas, menos gente gorda. Gordo sorri pra tudo, com aquele jeito de bonachão: tudo bem...tudo zen. O mundo pode estar se acabando que ele não estressa, vive irritantemente feliz. E sempre suando em bicas, faça frio ou calor, parecendo que vai se desmanchar bem na nossa frente.
- Mas, Medeiros...
- Não me venha com mas, não. Agora, sabe o que eu não tolero, mesmo? Aquelas histórias de dieta. Gordo sempre aparece com uma receita infalível e, óbvio, nunca funciona. Ontem só comia casca de arroz com broto de bambu; hoje é uma tal raiz não-sei-das-quantas misturada com uns cereais importados do Uzbesquistão. Aí, emagrece trezentos gramas e vibra, vibra! Amanhã recupera o que tinha perdido e ganha mais uns três quilos; e assim vai.
- Mas, Medeiros...
- Que “mas, Medeiros”, que nada! Gordo tem é mania de dar pisão no pé dos outros e dizer que foi sem querer. Uma ova! E esbarrão? Me diga aí: quantos esbarrões de gordo você já levou? Aí, vem você e é capaz de me acusar de desumano, preconceituoso, desalmado, ignorante. Que ninguém é gordo porque quer, que a gente deve ver como um problema médico etc, etc. Mas olha os dois ali tomando sorvete. Aquilo não é uma taça, é um balde. Pode até ser diet, light, o escambáu. Mas que tem uns dois quilos ali dentro, isso tem. Olha lá como eles devoram o sorvete. Eles não estão tomando sorvete, eles estão copulando com o sorvete. Olha a cara deles. A expressão de prazer. Garanto que não fazem essa cara nem quando estão transando. Ali sim o mundo deles se fecha e sininhos tocam: é só entre cada um e o seu sorvete.
- Mas, Medeiros...
- Isso tudo sem falar que gordo não se manca mesmo. Já viu como gordo adora pular do trampolim da piscina do clube; experimentar a bicicletinha do sobrinho mais novo; montar em pônei para tirar fotografia e bancar o Tarzan, se pendurando em cordinha amarrada em galho de árvore? E dançar sobre mesa de baile de formatura, então? Um inglório desafio às leis da física. Depois aparecem todos nas videocassetadas do Faustão.
E quando, finalmente, penso que vou poder completar a frase:
- Mas, Medeiros, não estou te entendendo, cara, afinal...
- Afinal, o quê? Olha lá os dois: pedem café sem açúcar e colocam três colheres de chantilly. Gordo não se enxerga, mesmo!
Pagamos a conta e saímos mudos, eu e o Medeiros, que mede 1 e 70 e diz que pesa menos de 100 quilos, quando todo mundo sabe que ele passa dos 130.