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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mirinho

O Argemiro é metido a poeta e compositor. Pra ganhar a vida, toca nuns barzinhos da Vila Madalena, de quarta em diante e promete que um dia arrebenta no mercado. Noite dessas, encontro o Argemiro enchendo a cara, como se alguma amada lhe tivesse dado o pé.
- Pô, cara, cê num sabe o que me aconteceu.– diz choramingando – Imagine que ontem de madrugada eu acordei para ir ao banheiro e, sem mais, nem menos, surgiu uma melodia na minha cabeça. Uma verdadeira obra-prima, de fazer o Chico (Buarque) morrer de inveja. Coisa pra me tirar dessa vida de mané.
- Ué, e por que esse bode todo?
- Pô, cara, voltei pra cama todo feliz. Mas hoje, quando levantei, cadê de eu lembrar de um único acorde...


Mas o Argemiro geralmente tem bom humor. Outro dia, sem ter assunto, perguntei quem ele levaria para uma ilha deserta, e ele:
- A Juliana Paes e um fotógrafo da Caras. Porque deve ser uma merda pegar uma mulher daquelas e ninguém acreditar depois.


E ele tem razão quando diz que este é um mundo de aparências. Afinal, a gente pode até não ser o que os outros acham que a gente é, mas de que adianta? Mês passado estávamos conversando durante o intervalo da apresentação dele, quando se aproxima um sujeito meio esquisito que reconhece o Argemiro na hora. O cara o abraça, mete-lhe um beijo na bochecha e diz pro “Mirinho” que a proposta continua “eternamente de pé”. Quando o maluco se afasta, tento saber que catso tinha sido aquilo.
- Ah, não liga, não. O Betinho estudou comigo no primário e no ginásio. Não sei por quê ele enfiou na cabeça que eu sou gay. Desde pequeno ele acha que eu sou gay. Já cansei de dizer que não, mas ele não acredita. Uma vez dei uma de machão pra ver se ele dava sossego, mas só piorou. Quando me vê com mulher, diz que é disfarce. E toda vez vem com a mesma conversa. Eu não ligo mais.
- E qual é a dele?
- Sei lá. Mas ele jura que um dia ainda vai me pegar...

Numa 6a. feira, ali pelas 6 da tarde, estava o Argemiro numa rodinha de happy-hour com quatro amigos dele, também músicos. Eram colegas de profissão e de cruz, mas não trabalhavam juntos. O Filé é baterista dum grupo de reggae. Já o negócio do Tatá é o cavaquinho e há meses vem estudando chorinho. O Buzú é pagodeiro e o Altair é clarinetista da banda do corpo de bombeiros. De repente, toca o celular dele e do outro lado é um promotor de uma casa noturna de Campos do Jordão (cidade do interior paulista, fria pra burro). Depois que ele desliga, os outros ficam sabendo que o Sardinha, (segundo ele, um amigão), acabara de oferecer um cachê “da hora” para animar uma festa. Quando? Hoje, hoje mesmo, às dez da noite. Onde? Lá em Campos. E por que não ligou antes? O grupo que ia tocar cancelou de última hora. “Cara, se aqui ta quinze graus, lá deve estar nevando” – disse o Filé, já se encolhendo. “E aquela estrada, então? À noite, com chuva e neblina no trecho de serra, é suicídio” – Alardeou Buzú.
Mas o Argemiro estava - como os demais - numa pindaíba daquelas (pra variar), e começou a matutar em voz alta: “Eu canto e toco violão. O Tatá apóia com o cavaco. O Buzú conhece baixo. O Filé vai pra batera e o Altair...o Altair...pô, Altair, clarinete é complicado de encaixar, hein?” E o Altair:
- Meu velho, tu vai ter que dar um jeito. O único que tem carro, aqui, sou eu!


Soube que eles foram, que chegaram atrasados, e mesmo sem ensaiar, parece que fizeram bonito, gripe à parte.