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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Chumbinho da Vila do Sapo

Toda cidade pequena, como a minha, tem seus personagens folclóricos. Gente que acaba virando lenda, e normalmente se perpetua no imaginário local, atravessando gerações. O Chumbinho é um caso desses.


Negro, miúdo, cara de bom menino, sorriso franco, aquele tipo que a gente mal conhece e logo diz: “nesse eu posso confiar”. Conheci o Chumbinho como todo mundo conheceu: no campinho de futebol da Vila do Sapo, numa beirada baixa e alagadiça da cidade, daí o nome. No final dos anos 60, criança era criada solta, sem esse negócio de ir pra escola com 2 anos de idade, maternal 1, maternal 2, jardim 1, jardim 2, pré 1, pré 2. A gente só ia pra escola no ano de completar 7. Antes era rua mesmo, a melhor das escolas, aliás. O tal campinho era disputadíssimo. De manhã, era toda a garotada que estudava à tarde, mais os que ainda não tinham a idade mínima. De tarde, todas as classes da manhã, mais os mesmos pequenininhos. E o Chumbinho estava sempre lá. Era uma espécie de síndico do pedaço. Como ele podia ser tão esperto, se nunca tinha estudado? Uns diziam que ele tinha 9, outros juravam que era 14. Ninguém sabia, ele não contava. Ele tinha um bigodinho ralinho, assim, como penugem de filhote de anu-preto. Aquilo botava o maior respeito na galera. Ele separava a molecada, escalava os times, apitava os jogos e não roubava nunca. Ninguém discutia quando ele marcava falta ou pênalti. Dia de feriado a gente passava o dia inteiro lá, até a mãe ir buscar xingando. Ele era o primeiro a chegar e o último a ir embora, se é que ia. O Kico, que era mais velho que a maioria, dizia que o Chumbinho morava no campinho, que não tinha mãe, nem pai, nem casa. Ninguém acreditava no Kico, que nunca teve coragem de enfrentar o Chumbinho e só falava por trás. Mas era verdade que quando ia anoitecendo, as mães chegando, não dava mais para distinguir o Chumbinho no meio do terreno escuro. Eu ficava olhando pros dentões dele, branquinhos, branquinhos, lá de longe, dando tchau. Não sei ao certo quando deixei de freqüentar a Vila do Sapo. Talvez ao arranjar a primeira namorada, ou quando minha família se mudou do interior, sei lá. Alguns anos depois, já moço, fui a uma festa de casamento de um primo e ao chegar, presenciei meu irmão, 14 anos mais velho que eu, numa rodinha dizendo que jamais iria esquecer de um amigo de infância dele, o Chumbinho, da Vila do Sapo. No mesmo instante foi interrompido pelo tio Dudu, já aposentado: “que é isso, rapaz, o Chumbinho foi do meu tempo, de antes da Guerra, você nem era nascido, tá maluco?”.