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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Pedreiro

Encontrei-o sentado, na poltrona reservada ao cigarro após as refeições. Continuava fumando o Continental, agora só fabricado com filtro, o qual desde então arrancava. Olhos esquecidos num quadro de parede, com a perna direita estirada sobre um banquinho, contingenciando o incômodo causado pelo tornozelo que teimava em inchar. Uma figura rude, como o pedreiro que sempre fora e, entretanto sereno, bonito até.

Ele notou minha presença e abriu um sorriso carinhoso, sem conter um tossir rouco, pigarreado. Abracei-o e ele retribuiu, contudo, sem a mesma força com que fazia quando eu tinha 4 ou 5 anos - era o tal “abraço de alicate”, brincava. Mas continuava um homenzarrão, de pele rosada, os cabelos lisos agora muito brancos, queixo com covinha e pesados óculos de lentes esverdeadas.

Dentre várias, erguera com as próprias mãos a casa na qual morava com Tia NeNê, havia 50 anos. Nunca o vi gargalhar, não dizia sandices. Falava pouco, numa simplicidade que o resumia. A esposa tinha a metade do seu tamanho e menos que isso do seu peso, mas sempre conduzira o relacionamento como uma domadora circense, entremeando ordens e afagos. Ele não reclamava.
Lembro-me quando uma de minhas irmãs apareceu grávida aos 16 anos, ele tratou de culpar a minissaia, ou seja, não foi o assanhamento que a engravidou, mas sim a maldita peça feminina que ensandece os homens.
O fato é que desde que sua debilidade física o aposentara, ajudava Tia Nenê nas tarefas do pequeno bar e como não suportava os bêbados do dia-a-dia, restara-lhe ajudá-la na cozinha. Tiveram três filhos homens. Os dois mais velhos faleceram ainda antes dos quarenta anos, solteiros, obesos e cardíacos. O caçula, irremediavelmente confuso e agressivo, fora o único a dar-lhe netos que, aliás, vinham sendo sua alegria nesta vida.
Mas os netos cresciam e tornavam-se distantes. Agora aguardava ser bisavô.
Olhei-o novamente. À beira dos oitenta, mantinha um ar dócil como se a vida, mentirosamente, lhe houvesse sido fácil. Ele me devolveu um olhar meigo. Sorri sem graça, sem decifrar se nele batia um coração mole ou duro demais.