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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Tal Pai, Tais Filhos

“Criança bonita e meiga / Para uns, anjo celeste /
Para outros, uma peste / Que emporcalha de manteiga /
As calças que a gente veste...” – Antigo verso popular.


Dez da manhã, dia de semana, toca a campainha. Minha mãe fecha a torneira, enxuga as mãos no pano-de-prato estrategicamente amarrado na cintura e corre atender:
- Bom dia, dona Annita, – diz seu Jorge, dono do mercadinho de secos & molhados da rua de baixo - seu marido está? Eu preciso que ele acerte a conta, porque faz três meses que ele não paga nada e assim não dá mais para fazer fiado.
- Sinto muito, mas o José saiu cedo para procurar trabalho. Assim que ele voltar...
Nisso, eu, com 4 anos, ouvindo a conversa lá da cozinha, corro até a porta e a interrompo, sem pestanejar:
- Ô mãe! O papai tá sim. A senhora acabou de levar café pra ele, lá na cama...

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Tenho 6 anos, estou brincando na calçada em frente de casa, quando chegam meus tios Nelson e Augusta, numa vemaguete (carro da extinta fábrica Vemag), vindos da cidade de Bauru. São meus padrinhos e eu adoro os presentes que me dão no natal e no aniversário. Descem do carro e eu pulo no colo da madrinha, para abraçá-la.
- Viemos visitar vocês – ela diz – vamos almoçar e ficar um tempão juntos. Seu pai quase não leva você para nos visitar em Bauru, né?
- É que toda vez que nós vamos, ele volta com uma caganeira daquelas, tia. Ele acha que é a sua comida...

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Meu filho Pedro, de 5 anos, me liga no escritório, perguntando se eu posso levá-lo à casa do Gustavo, amiguinho do colégio.
- Não dá, filho, o papai está trabalhando.
- Mas vai ser de noite, na hora da novela.
- Hum...sei, é aniversário dele?
- Não, papai, a gente combinou um campeonato de pôker.

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Chego em casa todo sorridente. Meus dois filhos estão entretidos com o videogame.
- Meninos, corram ver uma surpresa! – grito-lhes da porta da rua.
Ponho cada um de um lado do corpo e aponto para o carro semi-novo que acabei de comprar, quando o caçula, de 4 anos, resmunga desolado:
- Ah, pai. Por que você não comprou uma Porshe?

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Sou despertado por um chorinho, vindo do quarto dos meus filhos. Olho para o rádio-relógio: quatro e meia da matina. Levanto tropeçando em tudo, entro no quarto deles, acendo o abajur e observo Pedro, 6 anos, sentado na cama, choramingando.
- Filhinho, o que foi? Teve pesadelo?
- Não...
- Tá com dor em algum lugar? – Tomo-lhe a temperatura da testa. – Fala pro papai.
- Tinha uma mão gigante segurando o meu braço...choraminga.
Na cama ao lado o irmãozinho, menor ainda, dorme profundamente. Tento tranquilizálo do óbvio pesadelo:
- Era o papai, que veio ajeitar você na cama. Dorme agora, dorme.
- Mas o braço era gigante e peludo.
- Era a manga do pijama de lã do papai. Não foi nada, pode dormir.
- Mas tinha uma bocona enorme – ele insistiu.
- Era a boca do papai, quando eu cheguei bem pertinho para dar um beijo no seu rosto. Vamos, pode dormir.
Foi quando ele abriu de vez os olhos e disparou:
- Ô pai, essa conversa de Lobo Mau querendo enganar a Chapeuzinho eu já conheço, tá?

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Estou trancado no banheiro quando toca o telefone, na sala. Percebo que Victor, meu filho de 6 anos, atende e é alguém querendo falar comigo, fico só ouvindo:
- Meu pai tá, sim, mas agora ele não pode atender, porque tá no banheiro fazendo cocô. Eu escutei um monte de pum.
Saio o mais rápido possível do banheiro, e ele:
- Paiê, é para você ligar para a moça do Itaú.

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Meu filho mais velho, então com 5 anos, me chama:
- Papai, guarda esse quadro. - apontou para uma tela pregada na parede.
- Filhinho, é só mais um dos quadros que o papai pintou. Por quê você quer que eu o retire? Você o acha feio?
- Tenho medo desse velho sentado aí, me olhando. Sonho com ele...
E foi assim que "meu" Ernest Hemingway foi para dentro de um armário, onde ficou por longos 6 anos, até  o menino perder o pavor do homem que o perseguia com o olhar feito em óleo sobre tela.

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Termino de entrevistar uma candidata a empregada doméstica e estou prestes a combinar a data de início, quando Pedro, 7 anos, passa pela sala e dispara em alto e bom tom:
- Pai, não é melhor contratar uma mais magrinha, não?

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Meus 2 filhos estudam em uma ótima escola da capital paulistana. Ótima mesmo. E é curioso como promove excursões, quase semanalmente. Nada que me custe mais que 80 – 100 paus (cada filho, é claro) por programa. Vem sempre aquele bilhetinho informando de uma “fantástica e imperdível experiência, que muito agregará ao desenvolvimento cultural e emocional etc, etc”. Só neste ano, teve Circo do Beto Carreiro, Parque da Mônica, Museu do Ipiranga, Playcenter, Autódromo de Interlagos; Parque da Água Branca, Horto Florestal, Museu do Índio, Pinacoteca do Estado, Planetário, Fazendinha Não-sei-das-Quantas, e por aí, vai.
Aliás, dessa tal Fazendinha, Pedro, de 7, voltou encantado, todo tagarela:
- Papai, você não imagina de onde sai o ovo da galinha! – e mais:
- Sabe o que eu vi? Um pé de guaraná!
- E tava carregado, filho?
Não...não tinha nenhuma garrafinha.

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Numa madrugada gelada de julho, levanto e vou ao quarto dos meninos, ver se estão cobertos. Quando vou ajeitar o mais velho, que se descobrira, percebo que ele começa a acordar e vai logo dizendo:
- Ah, pai, esqueci de avisar: amanhã vai ter merenda comunitária na classe. Cada um leva uma coisa diferente e todo mundo reparte. A professora mandou eu levar uma torta de ameixa.

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Pedro vai completar 10 anos no domingo e pede para que eu faça um churrasco em casa para comemorar. Concordo e aviso à família. Na antevéspera ele me liga no escritório e pergunta se pode convidar o Ferrari, que eu não me lembro de conhecer.
– “Ai, meu Deus, o Ferrari, lá do Colégio, né, pai!” - responde irritado.
– Tá bom, filho.
No domingo, toca a campainha: é o Lucas. Toca de novo: é o Michel. Depois é a vez do Felipe, do Tiago, do Gabriel, do Mateus, do Henrique, do Tomás, do Charles, mais um que não conheço, mais outro e outro e outro...
Chamo o Pedro num canto e começo a soltar as cachorras, afinal, eu não havia comprado carne para tanta molecada: "Filho, você pediu pra trazer só o tal do Ferrari!" – e ele:
- Mas, pai, Ferrari é o nome do nosso time.

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Victor, de 9, está na sala fazendo lição de casa. Pedro, de 10, está na cozinha fuçando a geladeira e eu acabo de me estirar no sofá, após um dia especialmente cansativo no escritório.
- Pai, - diz Victor – a professora mandou levar um folheto de supermercado pra aula de amanhã. Onde tem?
Levanto resmungando e vou revirar o revisteiro. Nada de folhetos. Abro a estante da sala, remexo; necas. Armários e gaveteiros da cozinha; hum-hum. Lavanderia e quartinho da empregada; coisa alguma. “Garagem!” – penso – Procuro daqui, procuro dali, nadinha.
Volto meia-hora depois, amarrotado e mau-humorado para a sala. “Segunda-feira foi uma receita culinária típica da Amazônia; ontem: trazer fotos antigas do seu bairro (como se eu guardasse esse tipo de coisa); e hoje me vem com essa...”.
- Achou, papai?
- Achei, nada! Faz o seguinte: diz à sua pro-fe-sso-ra, que o escravo de plantão, aqui, sumiu! – Falei alto e fui para o banheiro.
Nisso, Pedro chega até a sala e questiona:
- Por que o papai ficou bravo, Victor?
- Sei lá, - respondeu confuso – Parece que sumiu um tal dum cravo de plutão. E eu nem sei o que é isso.