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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Você Conhece a Dona Filomena?

Estou no supermercado, com uma lista que vai determinando: 2 quilos disto, 3 latas daquilo, 5 saquinhos daquilo outro, e por aí segue. Paro no corredor das marcas de óleo, pego uma delas e antes de colocá-la no carrinho, ouço um comentário:
- Assim que é bom. Poder comprar qualquer óleo, sem se preocupar com o colesterol, sem problemas de fígado. Ah, a juventude... - Viro-me de lado e me deparo com uma senhorinha, ali pelos 70, olhando-me sorridente por detrás de lentes muito grossas.
- A senhora falou comigo?
- Não, meu filho, imagine. Estou apenas recordando meus tempos de moça. Sabe que eu consumia muito esse tipo de óleo? Hoje não posso mais. Na minha idade, a gente tem que se cuidar, entende?
- Claro...mas, o que é que tem este óleo? – pergunto já reparando melhor no rótulo, como se nele estivesse alguma informação que me fizesse reconsiderar usá-lo.
- Ah, esse óleo é muito ácido, meu filho. Nem se compara com aquele ali – diz apontando para um de outra marca.
– Mas você é jovem, não tem com que se preocupar ainda – balança a cabeça.
Fico parado uns segundos enquanto a vejo se afastar, empurrando seu carrinho quase vazio. Resolvo trocar o óleo pelo outro que ela, no meu lugar, escolheria. Passados alguns minutos, chego à seção de frios. Olho uns pedaços de queijo holandês e ameaço salivar. Mas 70 paus o quilo é muito. Vejo se acho um pedaço menorzinho, de 300 gramas, no máximo.
- Esse pessoal da loja é mesmo muito esperto! – É a velhinha de novo.
- Como é? – Pergunto encontrando-a exatamente atrás de mim.
- É isto mesmo! Eles colocam esse queijo importado bem aí na nossa cara, que é para nos enganar. Ali, quase escondido, mais no fundo da prateleira, - vai me indicando - tem um queijo vindo de Minas que é muito bom e está pela metade deste na sua mão.
- Sei, sei...mas sabe o que é? Eu ia pegar só um pedacinho, assim, ó.
- Muito prazer, – me estende a mão – meu nome é Filomena. Sabe que eu tenho um neto que é a sua cara? Mas fique à vontade, meu filho, leve o queijo que quiser. Você deve ter um ótimo emprego e dinheiro não deve ser problema. Eu é que sou uma enxerida mesmo. Não liga não, meu filho. Até logo.
Ela vai se afastando até virar a esquina do corredor. Eu pego os dois queijos e me bate uma dúvida mais existencial que financeira: estou sendo perdulário? Pobre metido a rico? Sei lá. Acabo ficando com o queijo mineiro, respiro fundo e continuo a seguir minha lista. Chego ao arroz. A lista manda pegar 3 quilos. Começo a pensar na velhinha. Tem umas vinte marcas na prateleira. Ah, que bom, a marca que eu sempre levo está com preço legal. Muitas outras estão mais caras. Pronto: 1, 2, 3 quilos – jogo no carrinho, giro pra esquerda e vou saindo, quando:
- Matemática é um saco, né filho? – a voz vem da direita e me dá um susto.
- A senhora...de novo?
- Pois, é, não é engraçado? Parece que nossas listas são muito parecidas. – ela dá um risinho enquanto observo que o carrinho dela continua quase vazio e não há lista nenhuma em suas mãos.
- A senhora estava falando do arroz? – arrisco inseguro.
- Veja bem, – ela ajeita os pesados óculos – pelo preço de 3 saquinhos de 1 quilo deste arroz, mais umas moedas, você leva um pacote de 5 quilos deste mesmo arroz. Ganha mais de 1 quilo, entendeu?
- Eu..não...isto é, sim. – Pego os 3 saquinhos e devolvo no lugar. Ela pega o pacote de 5 quilos e coloca no meu carrinho
– Obrigado, até logo – desta vez quem se afasta (e rápido), sou eu.
Olho pra lista. Estou quase acabando. Pego uns itens que estão faltando, com medo da velhinha estar me observando atrás de alguma pilha de latas. Estou parecendo um idiota. Confiro a lista. Só falta o macarrão. Dirijo ligeiro o carrinho até o outro corredor, já totalmente neurótico com a situação. Encosto o carrinho, ando uns metros. Escolho rapidinho um pacote de tagliarini e arremesso na direção do carrinho, quando surge, do nada, a droga da velhinha. E não é que ela agarra o macarrão no ar, feito uma goleira?
- Este fica duro e não rende nada, meu filho. Aquele ali é que é bom.
- Pois eu gosto de macarrão que não rende, tá bom? Gosto assim: de macarrão que não rende, que não tem gosto, duro e feio, entendeu, dona?
Tomei o macarrão da mão dela e fui pro caixa, irritado. Ô velha encardida! Alguns dias depois, estou na sala abrindo um vinho para o jantar, quando minha mulher surge da cozinha, me interrompendo:
- Antes de abrir o vinho, vou avisando que vamos jantar arroz e bife, porque não há quem coma a porcaria de macarrão que você comprou.