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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Papinho Nas Alturas

Acabamos de decolar. Estou voltando de uma viagem a trabalho, de Ribeirão Preto.
Ajeito-me na poltrona e abro um ótimo romance que estou terminando de ler. Cheguei ao capítulo final, em que o autor esclarecerá o crime que fundamenta a trama. Estou ansioso para descobrir. E é quando recebo uma leve cutucada:
- Não entendo, moço... – vejo que é meu vizinho de poltrona.
- Perdão?
- Não entendo como é que avião voa. Um bichão desses, parar no ar. Pássaro, eu entendo. Bate as asas. Avião não bate as asas...
- É... – tento ser o mais breve possível, sem tirar os olhos do livro, para que ele perceba que não estou a fim de conversar.
- É a primeira vez que eu entro num avião, sabe? Não sabia que aqui em cima não tinha nuvem. Lá de baixo, parecia tudo cinza.
- Sim... – noto que o homem usa um chapeuzinho de palha e tem as calças enfiadas dentro das botas.
- O patrão mandou eu ir para a capital. Vai ter uma pessoa me esperando no aeroporto. Disse que vai ter uma plaquinha com o meu nome. Se ele esquecer a plaquinha, to lascado. Nunca fui pra capital. Dizem que é muito grande. Não conheço ninguém por lá.
- Sei.
- Se a pessoa esquecer a plaquinha, o senhor me ajuda?
- Basta anunciar no alto-falante. – droga, meu livro – pensei.
- Mas, como eu vou anunciar, se eu não sei o nome da pessoa?
- O seu nome.
- Ah, muito prazer, meu nome é José Aparecido da Trindade – estendeu-me a mão.
- Não, eu quis dizer...oh, desculpe, meu nome é André.
- A capital é maior que Ribeirão, né? O que o senhor foi fazer em Ribeirão?
- Trabalhar...
- É? E o senhor faz o quê? O senhor é doutor?
- Não, senhor, trabalho em escritório.
- Bonito, isso aí. Tenho um filho que ta estudando pra trabalhar em escritório.
- Ah, que bom.
- Eu, não, eu trabalho na fazenda do meu patrão. Moço, se esse avião cair, a gente morre, né? – respondi que sim, com a cabeça, sem tirar os olhos do livro, que eu já não conseguia ler.
- Deve ser pior do que batida de carro – fez o sinal da cruz.
- Muito pior.
- O senhor não tem medo do avião cair? Eu tenho.
- Eu também, mas sabe o que eu faço? Fecho os olhos e fico rezando em silêncio a viagem toda.
- É mesmo, né? Obrigado pelo conselho.
E foi assim que consegui terminar sossegadamente o romance.