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sábado, 16 de outubro de 2010

Camelô Globalizado

Ao entregar meu cartão de crédito no caixa de uma loja de artigos masculinos, em Milão, ouvi da funcionária:
- Ah, ma è brasiliano... – sorriu largo.
- Sì. Ciao, bela.
De sacolas em punho, ia saindo pela porta, quando fui abordado por um senhor:
- Piacere. Mio nome è Bartolo. Io sono italiano ma vivo in Sao Paulo – pôs um dedo na orelha e apontou para a moça do caixa, dando a entender que tinha ouvido a constatação dela sobre minha origem. É notável como os italianos constrõem suas frases parte com palavras, parte com gestos manuais.
- André – estendi-lhe a mão – Piacere.
Convidou-me para um café. Então soube que era uma espécie de camelô internacional. Comprava artigos masculinos de grife em Milão e os revendia porta a porta no Brasil. Pediu para ver o que eu tinha comprado e riu escancaradamente, jurando que se eu comprasse dele, sem precisar sair de casa, teria economizado uma boa grana. Achei-o um tanto malandro e pouco factível sua conversa. Abreviei o encontro, alegando hora marcada para um passeio turístico. De qualquer forma, por educação, dei-lhe um cartão de visitas.

Passado um mês, ele me ligou. Perguntou se poderia apresentar-me umas peças. Entrou em casa arrastando um carrinho desses usados em aeroportos, com meia-dúzia de sacolas. Foi tirando: ternos, camisas, calças, casacos, sapatos, cintos, gravatas, lenços, meias, etc, etc.
Qual era a mágica de oferecer produtos de grifes italianas a preços tão baixos? Mercadoria roubada? Impostos sonegados? Nada disso! Contou-me que comprava duas unidades de cada, levava tudo para uma fábrica nas Filipinas e mandava reproduzir à perfeição. O custo de produção na Ásia permitia preços tão atraentes.
- E por que duas peças de cada?
Num português macarrônico, explicou:
- Una per essere desmontada, per essere copiada parte per parte – pezzo per pezzo, capito? E una per essere comparada dopo finita la imitazione, capito? Nem Salvatore Ferragamo può distinguere l´originale dal falso.
- Mas aqui está escrito “Fatto a mano – Prodotto Italiano”. Cadê o “Made in Filipines”?
- Ah, banbino... Noi siamo italiani. Noi non accettiamo questa globalizzazione.
O curioso é que ele contou que vendia suas peças em consignação. Isso é comum quando se negocia com lojistas. Mas com consumidores finais? O cliente fica com uma determinada roupa e pode experimentá-la por uma semana. Gostou, paga, se não, devolve, desde que sem manchas ou descosturas. Neste caso, ele lava, passa e volta a oferecê-la como nova. Mas, avisou: não esconde esta estratégia. O próximo cliente aceita, se quiser, claro, a um preço um pouquinho menor a cada devolução. Se todos devolverem uma peça, é porque ia ficar encalhada mesmo, argumentou.
- Só não dá para fazer isto com sapatos, né? – imaginei – Afinal os solados lixam e o couro fica marcado...
Muito pelo contrário - contou - sapatos eram sua estratégia mais rentável. Explicou que a consignação de sapatos funcionava assim: O cliente podia usá-los por uma semana. Se não gostasse, podia devolvê-los, mas ao custo de 10% do valor de venda inicial. Assim, ao próximo cliente seria ofertado a 90%, ao seguinte a 80% e assim sucessivamente. Ao cabo de 10 semanas, o par já se havia pago. Como os sapatos italianos (!!!) são muito resistentes, nesse tempo ainda estariam em ótimas condições. Havia casos em que um determinado modelo ia e voltava por até 20 semanas. Sobrepreço de 100%. E mais, a maioria dos clientes, quando visitada, já ia avisando: - Minha grana está curta. Me veja aí um par que já tenha voltado umas 6, 7 vezes. Era o negócio com mais saída, neste nosso Brasilzão de pobreza erradicada.