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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Boleiro Por Um Dia

É sábado pela noitinha e eu, solteiro, de bobeira em casa. Na TV, nada que preste. Ligo pra um amigo: Dormindo. Tento outro: Foi trabalhar. Arrisco uma amiga: Está no shopping. Resolvo ir à padaria comprar cigarro e tomar uma cerveja no balcão, o que, antes, eu achava provinciano demais. Estou ali e o assunto é futebol (sempre é), quando o balconista inventa de dizer que está me achando meio calado, cara no chão, tal e coisa, e decide que precisa me enturmar.
- Tamo sem lateral pro jogo de amanhã. ‘Bora lá?
- Tô dentro, Ceará! - Estufo o peito ao responder.
Combinado: passo na padaria às 8 da matina, vamos de lotação, o jogo vai ser às 9 e só preciso levar as chuteiras, que o resto eles arranjam. Meu Deus! Não uso chuteiras desde os 11 anos. Corro pro shopping. 300 paus? E aquela? 480? Não tem nada mais barato, não?
-Temos essa de 120, mas não é... - tenta alertar a vendedora.
- Tudo bem, - a interrompo - meu futebol não é lá aquele brinco, mesmo.
Saio da loja e encontro a Claudinha, com quem tentei falar antes. Exibo as chuteiras, ela ri. Digo que vou jogar amanhã cedo, ela gargalha. Você? Jogando futebol? De manhã? O que andou fumando? Deixo ela falando sozinha e saio fulo da vida. Vai duvidando, vai!
Preciso estar bem amanhã. Deito cedo. Rolo pra lá, pra cá. Levanto e ligo a TV. Tomo um uísque pra ajudar. Desperta mais ainda. Tomo outro, o sono não vem. Não posso exagerar, senão amanhã não acordo. Volto pra cama, não é nem meia-noite. Isso é hora de sair, não de deitar. Fecho os olhos. Penso na partida de amanhã e fico assustado. Quem disse que eu sei jogar futebol?

O rádio-relógio. Quero arremessá-lo na parede. Toca, toca, toca. Levanto capengando. 7 e meia. Tomo 400 ml de café e vou pra padaria. Nossa, 8 horas e a galera já tá no batuque e na cerveja? Chega o Ceará dizendo que tá vindo do forró. Nem dormiu. Encosta um gordinho e o Ceará o apresenta. Goleirão??? Nem metro e sessenta? Chega um senhor, arrisco uns 65 pra mais. 58 e corre como menino, garante o Ceará. E vai chegando gente sem parar. Pergunto quantos times vamos levar. Um só, o resto é torcida. Quer ver? Ele grita algo e todo mundo urra: “É campeão!”. Não entendi direito o nome do time e ele repete: “Orozão!” E a galera: “É campeão!” E nessa muvuca partimos em direção ao clube, numa caravana de vans, carros, motos, carroçaria de caminhão e o escambáu (até uns vira-latas correndo atrás). Chegamos e vamos direto para o vestiário. Banheiro de rodoviária seria elogiar o lugar. Sento (onde dá) e começo a vestir o uniforme que me dão. Acho que esqueceram de lavar esta camisa. Deixa pra lá. Vou pôr o meião. Espera aí, não tem um menor? Calço 38 e este aqui é 44. Não, não tem, vai assim mesmo. E as caneleiras? Alguém grita que é coisa de veado. As chuteiras ficaram apertadíssimas. Também, com esse meião gigante. Vai me causar bolhas. Tudo bem, vamos em frente. Não tem armário. Onde vou deixar minhas roupas? No chão? Não dá, tá todo urinado. Enrolo e levo pra deixar atrás do gol. Entramos em campo para aquecimento. Pergunto de quem é este campo. É do time que vamos enfrentar. E eles jogam bem? Faz vinte e quatro semanas que não perdem. Fico preocupado. Então os caras são bons. Que nada, se não ganham na bola, partem logo pra pancada e o jogo fica sem acabar. Credo! Dou uma panorâmica. Putz, não conheço ninguém além do Ceará. Aliás, cadê o Ceará? Dormindo no carro? Que amigón! Vamos lá: Dou uma corrida para aquecer. O joelho esquerdo estralou. Paro, massageio. Arrisco ouro pique. A batata da perna direita fisgou. Giro a cintura pra esquerda e o pescoço pra direita: Croc, Trac. Faço o movimento contrário: Trac, Croc. Os dois prum lado: Croc, Croc. Os dois pro outro: Trac, Trac. Êi! Tem um sujeito armado no gramado. Juiz? O juiz vai apitar armado? Precisa, jura? O jogo começa e lançam a bola. Acho que é pra mim. Saio na disparada, não alcanço e ela fica com o zagueiro deles. Aí eu reparo no sujeito. Sou mais ou menos da altura do umbigo dele. Não, não exageremos. Só um pouco abaixo do ombro. Ele pisa na bola e fica me encarando. Finjo que não é comigo. Alguém grita pra eu ir pra cima. Vou, mas ele me dribla, manda a bola longe e avisa: “Na próxima, vou quebrar essa tua canelinha”. Solto um risinho amarelo e me mando. 2 minutos depois, algum cretino me lança a bola de novo. Dessa vez eu domino e parto. Corro, corro, corro e...câimbra, câimbra, câimbra. Parem o jogo! Meu dedinho...subindo em cima do vizinho. Preciso tirar a chuteira. Desespero: O cadarço deu nó. Alguém ajude. Força, força, o dedinho tá se contorcendo. De repente: ‘rasssg´, a chuteira abre de fora a fora. Alívio do dedinho. Uau! Sofro pra levantar e vou mancando, uma chuteira no pé e outra na mão, pro banco dos reservas. Olho pra chuteira rasgada. É de papelão prensado, revestida por um plastiquinho imitando couro. Que sacanagem, 120 pilas! Alguém pergunta por que eu saí do jogo que começou a menos de 7 minutos e culpo a chuteira. Acho que amanhã não vou andar. Mas se a danada resistisse, eu poderia estar morto. Ah: E o jogo não acabou. No segundo tempo assisti, lá do boteco do clube, um quebra-pau dos infernos bem no meio do campo. Pena que já tinha me trocado. Não deu nem para dar uma forcinha.