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sábado, 4 de setembro de 2010

Chiquinho de Moraes

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o matita-pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo,
                     é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, uma ave no chão
É um regato, é uma fonte,
                       é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego
                          é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando,
                          é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto,
                              é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada, é a
   garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte
                             é um sapo, é uma rã 
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte
                              é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

                                *************************

Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza, melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai
Mas se ela voltar
Se ela voltar
Que coisa linda
Que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim,
                        calado assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você viver sem mim...

                        ****************

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Acho que não esqueci nenhuma estrofe. Não vou falar do Antonio Carlos Brasileiro, o Tom Jobim, porque seria "chover no molhado".
Vou falar do maestro Chiquinho de Moraes, que fez os arranjos das músicas acima, e que é meu amigo.
A história de Chiquinho na Bossa Nova vem de muito tempo, desde o surgimento desse movimento musical. Ele já possuia formação erudita, mas não hesitou em entrar para a música popular, Ele dirigia o programa musical "O Fino da Bossa". Apresentou, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, variações sinfônicas de obras do Tom. Foi, de maestro para maestro, um homenageante extraordinário.
Fez trilhas sonoras de diversas novelas da TV Globo, dezenas de longas metragens, dirigiu discos dos principais artistas da MPB, fez filmes publicitários e comandou espetáculos teatrais. Reje e compõe com perfeição, no Brasil e no exterior. Vai de Roberto Carlos à Chico Buarque - a "Ópera do Malandro" foi orquestrada por ele (apesar do pó, confessou).
Mora num apartamento único por andar, na Rua Renato Paes de Barros, nos Jardins, em São Paulo. O imóvel, de 700 metros quadrados tem uma mobília - falei pra ele - totalmente bizarra. Na sala principal, onde seria possível jogar futebol, há apenas um piano de cauda. Nada mais. 
Com seu bigode desproporcional, ofereceu-me um café. Fomos à cozinha. Minha empregada tem, certamente, uma cozinha mais aparelhada que a dele. Usou uma leiteira amassada e sem cabo para ferver a água. Coou o café num coador de pano completamente esgarçado. Louco, teimava que seria meu professor musical. Nunca conseguimos. Noutra visita, dei-lhe, de presente, uma cafeteira americana "Mr. Coffee".
Certa tarde, ambos vagabundos, estávamos jogando conversa fora, quando o interfone avisou que "Dona Fátima" estava subindo. Era Fafá de Belém. Veio pedir ajuda. Para arranjo de uma nova música e para o dinheiro do táxi. Lembro que Chiquinho tratou os dentes com minha irmã. Nunca pagou. Ela nunca cobrou. Ele ganhava 30 mil pratas numa única apresentação. Gastava tudo no dia seguinte, não me pergunte como.
É maluquinho, mas rejeitou criar os arranjos para as músicas que eu estava tentando negociar com os "Mamonas Assassinas".
- Mamonas o quê?
- Mamonas Assassinas.
- Que diabo é isto?
- Nossa, Chiquinho, em que mundo você vive? Os caras são sucesso absoluto.
Fui até o carro, trouxe o CD deles e coloquei pra tocar. Ao cabo da terceira faixa, ele pediu licença e desligou o aparelho.
- Você gosta disso? - falou espantado.
- Adoro. Todo mundo adora.
- Credo!
O grupo se foi, infelizmente, e minhas letras acabaram trancafiadas para sempre, numa gaveta.